A DELAÇÃO PREMIADA E
SEUS ASPÉCTOS JURÍDICOS
A origem da delação premiada no Brasil se deu com as
Ordenações Filipinas, em seu Livro V o qual tratava da parte criminal, tendo
este vigorado de janeiro de 1603 até o ano de 1830, quando fora editado o
Código Criminal do Império do Brasil, lei de 16 de dezembro de 1830.
Por
meio da Lei 8.072/90, que trata dos crimes hediondos, foi adotado no
ordenamento jurídico brasileiro o instituto da delação premiada, cujo objetivo
é possibilitar a desarticulação de quadrilhas, bandos e organizações
criminosas, facilitando a investigação criminal e evitando a prática de novos
crimes por tais grupos.
A Lei 12.850/2013 trouxe uma grande inovação no procedimento
de aplicação e benefícios da delação premiada, contudo, temos que o instituto
em questão já possuía aplicação nos tempos mais remotos da civilização, uma vez
que o Estado sempre fomentou a traição em troca do bem comum. Ainda há de se
notar que a delação não esta presente somente no ordenamento jurídico
brasileiro, tendo previsão do instituto no direito italiano com a pentiti, no direito americano com a plea bargaining, no direito inglês com a crown witness e no direito alemão com a kronzeugenregelung. No tocante a evolução do instituto, com o passar
dos tempos à previsão legal passou a ser mais generosa com o delator, agraciando
este com cada vez mais com benefícios de redução de pena e até mesmo a extinção da
punibilidade pelo
perdão judicial ou o não oferecimento da denúncia nos termos previstos da novatio legis.
Além da citada lei que inaugurou a
normativização da delação premiada no Brasil, atualmente o instituto
encontra-se previsto em diversos instrumentos legais, dentre os quais: Código
Penal (arts. e 159, §4º, e 288, p.u.), Lei do Crime Organizado – nº 9.034/05
(art. 6º), Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional – nº 7.492/86
(art. 25, §2º), Lei dos Crimes de Lavagem de Capitais – nº 9.613/88 (art. 1º,
§5º), Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica – nº 8.137/90 (art.
16, p.u.), Lei de Proteção a vítimas e testemunhas – nº 9.807/99 (art. 14),
Nova Lei de Drogas – nº 11.343/06 (art. 41), e, mais recentemente, na Lei que
trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – nº 12.529/2011 (art.
86).
O instituto da delação premiada ocorre,
portanto, quando o indiciado/acusado imputa a autoria do crime a um terceiro, co-autor
ou partícipe. E não só isso. Também é possível a sua ocorrência quando o
sujeito investigado ou processado, de maneira voluntária, fornece às
autoridades informações a respeito das práticas delituosas promovidas pelo
grupo criminoso, permitindo a localização da vítima ou a recuperação do produto
do crime.
Diz-se indiciado ou acusado o delator em virtude
de o instituto da delação poder se dar durante a fase de inquérito policial ou
mesmo na fase processual, quando já está em curso a ação penal. Na prática, é
mais comum ocorrer na fase inquisitiva, pois é nessa etapa que o delator se faz
mais útil, sendo capaz de fornecer ao órgão acusador mais elementos da
materialidade e da autoria do crime para consubstanciar a denúncia.
Também chamada de confissão delatória, a delação se difere da
confissão em razão desta se referir à auto-incriminação, enquanto aquela
representa a imputação do fato criminoso a terceiros.
Basicamente, a delação premiada se perfaz num acordo entre o Ministério
Público e o acusado, onde este recebe uma vantagem em troca das informações que
fornecerá ao parquet. Quanto mais informação for dada por
aquele que delata, maior será o benefício a ele proporcionado.
Como benefício ao delator temos a substituição, redução ou isenção da
pena, ou mesmo o estabelecimento de regime penitenciário menos gravoso, a
depender da legislação aplicável ao caso.
Sendo assim, a natureza da delação premiada variará conforme a situação
do caso concreto, podendo ser, por exemplo, uma causa de diminuição de pena,
incidente na terceira etapa do sistema trifásico de aplicação da pena, ou uma
causa extinção da punibilidade, pois pode resultar na concessão do perdão
judicial, nos termos do art. 13 da Lei 9.807/99, abaixo transcrito:
“Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a
requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da
punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente
com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha
resultado:
I - a identificação dos demais co-autores ou
partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua
integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto
do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial
levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias,
gravidade e repercussão social do fato criminoso.”
O
Programa Federal de Assistência a Vítima e a Testemunhas Ameaçadas foi
instituído pela Lei 9.807/99, visando à proteção de acusados ou condenados que
prestem efetiva colaboração com a persecução criminal de forma voluntária.
No que
tange a delação premiada, os benefícios oriundos deste diploma legal foram um
tanto quando inovadores, podendo o delator, não reincidente, ter em seu
benefício o perdão judicial com a extinção da punibilidade, conforme dispõe o
artigo 13, desde que atendidos os requisitos trazidos pelo texto legal, sendo
estes: a) identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação
criminosa; b) localização da vítima com a sua integridade física preservada; e
c) recuperação total ou parcial do produto do crime. Devendo ainda o magistrado
analisar as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal antes de conceder o
benefício.
Impende
ressaltar que a doutrina combate impiedosamente o instituto da delação
premiada, baseando sua posição em alguns argumentos, em seguida alinhavados.
Em primeiro lugar, a delação premiada conduziria a uma láurea ao
comportamento antiético, imoral de denunciar aqueles que, de uma forma ou de
outra (não se questiona a licitude do comportamento), foram colegas numa determinada
empreitada. Remonta-se a história bíblica de Judas Iscariotes para demonstrar a
inadequação do comportamento e que o seu fomento por parte do Estado e da
Sociedade seria algo inaceitável.
Referido
argumento é baseado na idéia de que o ordenamento jurídico, mormente o penal,
deve priorizar soluções jurídicas que velem pela conduta honesta, leal e proba
dos agentes envolvidos, mesmo que, para isso, deva-se sacrificar o interesse
público na persecução penal.
Outro
argumento que deve ser trazido à baila é o de que a aplicação da delação
premiada poderia oportunizar uma quebra da isonomia entre aqueles que
praticaram o delito. Afinal, tanto o delator quanto o co-autor, ressalvadas
circunstâncias pontuais do caso concreto, cometem o mesmo crime, desenvolvem
comportamento igualmente reprovável, mas, em virtude de uma ajuda na elucidação
dos fatos criminosos, obtém tratamento penal diverso.
Assim,
isso redundaria num menoscabo ao princípio da igualdade e, também, à
proporcionalidade da pena ao fato criminoso.
Assim,
do ponto de vista funcional, é inegável a importância da delação premiada, que,
se bem utilizada e regulamentada, traz resultado eficientes e concretos,
sobretudo no combate à chamada macrocriminalidade, que é caracterizada pela
refinadíssima organização empresarial e estrutural na prática criminosa, caso
dos crimes de colarinho branco.
Além disso, a eficiência trazida pela colaboração dos acusados pode
aproximar o Estado-juiz da verdade material, que é dogma estruturante de todo o
sistema de persecução penal brasileiro, facilitando o papel do Estado de punir
adequadamente aqueles que infringiram lei imperativa, na medida exata da
reprovabilidade de suas condutas.
Fontes:
- http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11229&revista_caderno=3
- VALLE, Juliano Keller do. Crítica à
Delação Premiada: Uma análise através da teoria do garantismo penal. – São Paulo: Conceito Editorial, 2012.
- https://jus.com.br/artigos/40461/evolucao-da-delacao-premiada-como-meio-de-persecucao-penal#_ftn29
- http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=2521
- GOMES, Luiz Flávio. Crime Organizado:
enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95 e político–criminal, 2a ed., São
Paulo: Ed. RT, 1997, p.167).
- JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da "delação
premiada" no Direito Penal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n.
854, 4 nov. 2005. Disponível em: .
Acesso em: 22 fev. 2012.