CONDUÇÃO COERCITIVA: MEDIDA CAUTELAR LEGAL OU INCONSTITUCIONAL?
Levado
ao Plenário do Supremo Tribunal Federal para julgamento, na última quinta-feira
(14/06/2018), a medida cautelar de condução usado
quando um suspeito se recusa a depor, mesmo após intimação, mais conhecida como
condução coercitiva. O instrumento ganhou ainda mais destaque durante a
Operação Lava Jato, que desvendou um megaesquema de corrupção que envolve
pagamento de propina a políticos e superfaturamento de contratos da Petrobras,
a maior estatal brasileira.
Esse mecanismo está previsto no Código de Processo Penal em
vigor no país desde 3 de outubro de 1941, a condução coercitiva é considerada, de
acordo com alguns juristas, uma espécie de “prisão cautelar” de curta duração.
Conforme prevê o artigo 218 do Código de Processo
Penal Brasileiro, a condução
coercitiva só é legitima quando é precedida de uma intimação prévia.
Quando este método é aplicado sem a intimação, configura-se como uma violação
do direito de liberdade da testemunha ou do indiciado.
“CPP -
Decreto Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de 1941
Art. 218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar
de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade
policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de
justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.” (grifo
nosso)
Logo, a condução coercitiva é um método impositivo aplicado pelas autoridades para
garantir que as pessoas intimadas a prestar depoimentos cumpram esta ação,
prevista no Código de Processo Penal Brasileiro (CPP).
Há também referências a esse
instituto nos artigos 201, que trata do ofendido, e 260, que
trata SOBRE O
ACUSADO, no mesmo Código Processual:
“Art. 201. […]
§ 1º Se, intimado para esse fim,
deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à
presença da autoridade.
Art. 260. Se o acusado não
atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato
que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à
sua presença.”
Cabe ressaltar que, a condução
coercitiva vinha sendo usada mesmo sem intimação prévia, que é um dos
requisitos para sua efetivação, tornando-se um tema que tem gerado diversas
controvérsias acerca da sua admissibilidade. Isso porque, não obstante a
previsibilidade legal de condução coercitiva daquele que, notificado, se recusa
a comparecer perante autoridade, ou ainda nos casos de urgência, há discussão
se não haveria nessa medida uma espécie de prisão que,
consequentemente, violaria preceitos constitucionais.
Alguns juristas têm tido o
entendimento que, a condução coercitiva tem se assemelhado a prisão temporária.
Nesse tipo de prisão, o suspeito fica atrás das grades pelo período de cinco
dias, prorrogáveis por mais cinco. É obrigado a depor – nesse período, os
investigadores também recorrem a buscas e apreensões – e depois acaba solto.
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O Código de Processo Penal, que traz
a hipótese de condução coercitiva, é de 1941 e a Constituição Federal, que não
menciona o referido instituto, é de 1988. Por isso, há grandes debates acerca
se teria sido o dispositivo legal recepcionado pela Carta Magna de 1988.
Cesare Beccaria, em sua obra Dos Delitos e Das Penas,
conceitua que “prisão é pena que, por necessidade, deve, diversamente de todas
as outras, ser precedida da declaração do delito, mas este caráter distintivo
não lhe tira o outro traço essencial, a saber, que somente a lei determina os
casos em que o homem merece a pena.”
Os
posicionamentos desfavoráveis à condução coercitiva também mostram-se
extremamente pertinentes em razão de se fundamentarem, precipuamente, em
preceitos constitucionais fundamentais.
Um dos
preceitos fundamentais está no art. 5°, caput,
que prevê a garantia do Princípio da Liberdade e o inciso LXI que assegura que “ninguém será preso senão em flagrante
delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente,
salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei.” A sustentação nesse princípio figura a interpretação dos
que entendem ser a condução coercitiva uma medida inconstitucional por não
estar enquadrada em nenhuma das situações desse inciso.
É consabido que a persecução penal qualifica-se como
imprescindível caminho a ser percorrido pelo Estado para legitimamente exercer
seu direito de punir face à prática de infração penal por alguém. Nessa vereda
de busca da verdade (ainda que processual, e não substancial) é que se
insere o instituto da condução coercitiva.
Trata-se de medida cautelar híbrida, de natureza pessoal e
probatória, que importa em certo grau de tolhimento da liberdade do indivíduo e
volta-se teleologicamente à obtenção de algum elemento informativo ou
probatório. Cuida-se de medida autônoma, uma vez que independe de prévia
intimação do conduzido, e procura preservar a higidez das fontes de prova. Não
afeta a inexigibilidade de autoincriminação, mas apenas materializa a teoria da
perda de uma chance probatória, porquanto o Estado não pode se esquivar da
incumbência de produzir material probatório sólido para demonstrar de forma
robusta a materialidade e autoria delitivas.
Contudo, a medida de condução coercitiva não deve ser
utilizada como ferramenta de intimidação perante o investigado, é importante o
cumprimento dos requisitos previstos para a condução coercitiva:
·
Intimação/comunicação
regular para comparecimento ao ato
·
Recusa
injustificada de quem foi intimado e não compareceu ao ato.
Diante deste breve estudo, referendamos o entendimento da
Suprema Corte por entender que inconstitucionalidade
do instituto é manifesta, embora, tendo os últimos entendimentos da mais alta
Corte de Justiça do país terem sido mais políticos do que legais, tendo sua
interpretação de acordo com o paciente. Porém, antes tarde do que nunca, a
unificação de um entendimento jurídico que, a partir de agora, deverá ser
seguido.
Todavia,
preocupa a postura das instâncias ordinárias a partir de tal decisão, pois não
se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a substituição da
condução coercitiva pela prisão cautelar, tendência essa que já foi verificada
após a concessão da medida liminar pelo ministro Gilmar Mendes nos autos dessa
ação, depois da qual houve expressivo aumento do número de prisões cautelares.
Embora
a decisão poderá acarretar no aumento do número de prisões cautelares, entre
elas, a ressurreição da prisão temporária, a decisão representa o retorno da
Suprema Corte aos princípios universais de respeito às garantias da
Constituição, encerrando-se a utilização das conduções coercitivas sem o
cumprimento dos requisitos
pré-estabelecidos.
Fonte:
- https://www.significados.com.br/conducao-coercitiva/
- BECCARIA,
Cesare. Dos delitos e das penas.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
- FERRAJOLI, Luigi.
Direito e razão. São Paulo: RT, 2002, p. 38
- STF, HC 97.701, Rel. Min. Ayres Britto, DJ 03/04/2012.
- CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
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